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Então é natal

20 dezembro, 2023
Blog | Brazilianwaves

Por: Adriana Sydor

Então é natal

Não, leitor, não farei isso. Nada de citar a música que enlouquece os ouvidos sensíveis durante o mês de dezembro. Mas acho que vale contar, só contar sem escrever os versos para não contaminar a memória e fazer você cantarolar sem parar o refrão, a música “Então é natal” é a versão em português da “Happy Xmas (War Is Over)”, escrita por John Lennon, em 1971. A melodia é de uma canção irlandesa, que tem o registro mais antigo em 1784. Foram os imigrantes que levaram para América, onde a partir de 1829, entrou no repertório da música folk americana.
Os irlandeses levaram para os Estados Unidos e Lennon espalhou pelo mundo. No Brasil, a versão é de Claudio Rabello, que é dono de vários e vários hits, entre eles aquele que fez com Dalto, “Muito estranho”.
Depois que Simone gravou a dita cuja num dezembro de 1995, o Brasil aprendeu, ou foi obrigado, a ouvi-la em inúmeras interpretações, de Ivan Lins a Padre Marcelo Rossi.

Como ficou claro por essa introdução, na coluna deste mês, o natal e a MPB.

Quem abre a festa é Assis Valente, que estava em seu quartinho na praia de Icaraí, sozinho e com os primeiros raios da depressão lhe alcançando quando compôs “Boas festas”, música que completa agora 85 natais e todo mundo sabe cantar: “Anoiteceu, o sino gemeu / E a gente ficou feliz a rezar / Papai Noel, vê se você tem / A felicidade pra você me dar / Eu pensei que todo mundo / Fosse filho de Papai Noel”.

Outro que fez versão para música de outro lugar, foi Carlos Rennó, que ajeitou a letra em português para “White Christmas”, de Irving Berlin, que virou “Natal Lindo”: “Eu sonho um Natal lindo / Igual aqueles que eu vivi / Árvores luzindo / Criança ouvindo / O som de um sino por aí”.

Só mais uma versão e voltaremos às composições brasileiríssimas desta série. Celly Campelo gravou a inocente “Vi mamãe beijar papai Noel” num 78 rotações em 1960. A música é uma versão de Fred Jorge para “I Saw Mommy Kissing Santa Claus”, de Tommie Connor: “Vi mamãe beijar Papai Noel / Era noite santa de Natal / Na sala eu me escondi / Para ver Papai Noel / Chegar e me trazer / Todos os presentes / Que eu pedi”. Do outro lado deste bolachão tinha “Jingle Bell Rock”, de Joe Beal e Jim Boothe, com versão do mesmo Fred Jorge: “Jingle Bell, jingle Bell jingle Bell rock / Tudo é beleza, tudo é amor / Natal é festa pra gente cantar / É uma festa para o lar”.

O pessoal do samba sabe usar sinos natalinos para fazer batuque e para provar isso, Martinho da Vila escreveu “Feliz natal, papai Noel”, deu uma temperadinha na letra para agradar os mais crescidos também: “Feliz Natal, papai Noel / Que desce ao léu / Com seu trenó / Trazendo um saco de emoções / Muito tato pra lidar / Com os amores / Apurado paladar para os quitutes / Para o prazer sexual muita libido / Que a justiça seja nua e sem antolhos”.

Com o olhar vibrante que mistura a desgraça da pobreza a um humor conformado, Adoniran Barbosa tratou daquela realidade que tanto lhe comovia em “Véspera de natal”. É triste: “Eu me lembro muito bem / Foi numa véspera de natal / Cheguei em casa e encontrei minha nega zangada / A criançada chorando / Mesa vazia, não tinha nada”. O personagem então resolve sair para comprar alguma coisinha para a ocasião e combina com a mulher que vai se fantasiar de papai Noel e descer pela chaminé para animar as crianças. Até aí a música se estende em cenas capazes de arrancar lágrimas, aquela coisa tão humilde, tão ingênua… Mas na última estrofe o velho Adoniran dá uma volta que muda totalmente o clima da letra: “Ai meu deus que sacrifício / O orifício da chaminé era pequeno / Pra me tirar de lá / Foi preciso chamar / Os bombeiro”.

E quem é de bossa nova também é atendido pelo bom velhinho, pelo menos depois de 1961, ano em que João Gilberto gravou “Presente de Natal”, de Nelcy Noronha, “Papai Noel me deu um bom presente de Natal / Você embrulhadinha num papel monumental / Quem ganha boneca é menina, eu sei / Mas eu sou menino e também ganhei / Não foi uma bola nem sequer um cavalinho / Mas foi você, amor, que veio então pra ser o meu benzinho”. Os politicamente corretos piram.

Se tem samba e bossa no natal brasileiro, tem também a incrível mão direita de Jorge BenJor, lançou seu swing em 1978, naquela época em que o Fantástico da Globo trazia vídeo-clips todas as semanas: “Mas que Natal é esse? / É o Natal brasileiro, amor / Depois da Missa do Galo / Parentes, amigos e convidados / Reunidos na mesma mesa / Toda enfeitada com frutas tropicais / E no centro um cabrito assado / Tenro, todo recheado, espalhando farofa pra todo lado”.

E você lembra de “Natal, natal das crianças, natal de noite de luz / Natal da estrela guia, natal do Menino Jesus”? Pois então, foi o cantor Blecaute quem compôs. Era ele, aliás, o General da Banda ê, ê – da música de Tancredo Silva, José Alcides e Sátiro de Melo, que imortalizou, vestido à caráter, e depois Elis gravou. Ele compôs “Natal das Crianças” numa espécie de solidariedade aos meninos de um orfanato que conhecia. Blecaute, também órfão, pensava sobre a data e a condição infantil de não ter família por perto.

Mestre Lua também emprestou sanfona para a data: “Cartão de Natal”, em parceria com Zé Dantas: “Ouvindo sinos de Deus / Repicando na matriz / Para você e os seus / Peço um natal bem feliz”. Gravou em 1954, não é de suas peças mais conhecidas e o forró dançante da sanfona foi substituído por uma melodia mais calma, comovente, mais próxima do que a data dita, ou ditava, como apropriada.

Nesta relação natalina tem música para todo gosto, parece que nossos compositores ficam um tanto tomados pelo espírito de fim de ciclo, de recomeço, de trocas, de reafirmações ou do que signifique a data para cada um. Se houvesse mais espaço ainda poderia citar Chico Buarque e sua “Canção de natal” ou Orlandivo em “Nasceu Jesus” ou Celso Viáfora com “Papai Noel de camiseta” e ainda Nei Lopes e sua “Noel e Natalina”… uma imensa lista para você esquecer do hino dos últimos anos “Então é natal”.
Mas a coluna chega ao fim e só me resta desejar boas festas a todos os leitores e agradecer a companhia neste ano atribulado que já faz parte de nosso passado.
Um abraço e até a próxima.

 

Por: Adriana Sydor

VAI TRABALHAR, CRIATURA

Dizem por aí que o trabalho dignifica. Alguns esperam por férias, outros gostam tanto de suas obrigações que as transformam em diversão e tem também aqueles que, de fato, vieram ao mundo a passeio. Para cantar situações diferentes, um time de trabalhadores incansáveis da MPB acorda cedo, ou dorme tarde, e se dedica à eterna reportagem de nossas realidades.

Cheio de apontamentos que o cutucavam como não muito chegado ao trabalho pesado, Tim Maia é o primeiro da fila na edição deste mês. Na verdade, as críticas por conta daquele comportamento tão particular, que percorria atrasos e faltas, mas que era também exercício de liberdade, nem sempre eram certas. O grande Sebastião Rodrigues Maia era um criador, um homem de muitas realizações e de batalha dura, na vida e na arte – síndico dos sete mares. Ironicamente começamos com Sossego, música lá da década de 1970, que todo mundo sabe até hoje: “Ora bolas, não me amole / Com esse papo de emprego / Não está vendo? / Não estou nessa, / O que eu quero é sossego / Eu quero sossego”.

Da árvore de Tim nasceram outros galhos. Entre eles, Ed Motta, que mês passado tratou de se indispor com fãs e não-fãs a falar bobagens na internet. Essa é outra história, mas, na de hoje, cabe lembrar de Vamos Dançar, parceria com Rafael Cardoso, que se alimenta no suingue e na temática de Sossego: “Eu não nasci para trabalho/ Eu não nasci para sofrer / Eu percebi que a vida / É muito mais que vencer”.

Mas bem antes dessa plantação, em 1931, Joubert de Carvalho e Olegário Mariano trataram de vingar dois males de uma vez só e numa única atitude: deixaram o trabalho de lado para desforrar a ingrata. O cateretê De papo pro ar tem humor, sabor e vende bem a ideia de um sertanejo em dia com o autocompromisso da felicidade: “Quando no terreiro / Faz noite de luá / E vema saudade / Me atormentá / Eu me vingo dela / Tocando viola / De papo pro á / Se ganho na feira / Feijão, rapadura / Pra que trabaiá / Eu gosto do rancho / O homem não debe / Se amofiná”.

Um tiquinho mais responsáveis, mas andando ali, na beira do precipício, Herivelto Martins e Roberto Roberti escreveram Izaura, música que desfilou pelo carnaval de 1945 e foi para disco de João Gilberto em 1977; o cidadão, responsável e ponderado, sofre aflito entre os deveres do trabalho e as entregas do amor: “O trabalho é um dever / Todos devem respeitar / Oh, Izaura, me desculpe / No domingo eu vou voltar / Seu carinho é muito bom / Ninguém pode contestar / Se você quiser, eu fico / Mas vai me prejudicar / Eu vou trabalhar”.

Outro que teve problemas entre os prazeres da companhia da mulher amada e as obrigações do relógio foi Jorge Ben, que não consentia deixar Bebete saracoteando sozinha no samba enquanto tinha que ir pra casa para o merecido descanso. Bebete Vão bora: “E você sabe muito bem / Que logo mais eu tenho que trabalhar / Já não posso mais chegar atrasado / E nem pensar em faltar / Pois o novo gerente / Não é lá muito meu amigo”.

E os artistas do marketing, aqueles que vendem de tudo ou que emprestam assunto alheio para contar sobre quem anda por aí ganhando o pão e o leitinho das crianças na arte de propagandear seus produtos? Nesse tema, destaco três momentos da MPB: Vendedor de Caranguejo, de Gordurinha: “Caranguejouçá / Caranguejouçá / Apanho ele na lama / E trago no meu caçuá / Tem caranguejo / Tem gordo guaiamum / Cada corda de dez / Eu dou mais um”; Vendedor de Bananas, repetindo Jorge Ben: “Olha a banana / Olha o bananeiro / Eu trago bananas prá vender / Bananas de todas qualidades / Quem vai querer / Olha banana Nanica / Olha banana Maçã / Olha banana Ouro / Olha banana Prata / Olha a banana da Terra / Figo São Tomé / Olha a banana d’Água / Eu sou um menino / Que precisa de dinheiro / Mas prá ganhar de sol a sol / Eu tenho que ser bananeiro” e Menino das Laranjas, de Theo de Barros “É madrugada, vai sentindo frio / Porque se o cesto não voltar vazio / A mãe já arranja um outro para laranja / Esse filho vai ter que apanhar / Compra laranja, doutor, / Ainda dou uma de quebra pro senhor!”. A última, um pouquinho mais forte, porque trata da infância, da realidade dura de quem trabalha ainda no tempo de brincar, mais do que a composição de Ben. Theo de Barros gosta de olhar para a sociedade na qualidade de quem a despe, procura seus pormenores para denunciá-la.

Adoniran Barbosa se dedicou a contar algumas rotinas de trabalhadores simples, força bruta que constrói o Brasil com braço forte. Um desses momentos é Torresmo à Milanesa, simpática e doidinha de realidade, tem parceria com Carlinhos Vergueiro: “O enxadão da obra bateu onze hora / Vamos embora, João! / Que é que você troxe na marmita, Dito? / Troxe ovo frito, troxe ovo frito / E você, Beleza, o que é que você troxe? / Arroz com feijão e um torresmo à milanesa / Da mina Tereza! […] O mestre falou / Que hoje não tem vale não / Ele se esqueceu / Que lá em casa não sou só eu”.

A mãe solteira que trabalha de empacotadeira, o pedreiro pensador que espera que sua sorte mude, os pescadores de Dorival Caymmi, a trabalhadora da fábrica de tecidos, lavadeiras do rio que ensaboam roupas, garçons que aturam malandros, malandros regenerados que sobem em bonde a caminho do trabalho e muitas, muitas outras profissões têm lugar garantido no mundo da música popular brasileira, que é retrato da vida, que narra o cotidiano e que denuncia os detalhes mais rotineiros do país.

E é assim, dignificando a existência ou se distraindo de si ou só, e tão-somente, para pagar as contas, que todo mundo, e cada um, passa os dias – emprego curioso desse meio tempo que temos, entre a vida e a morte.

Bom trabalho e até mês que vem.

Por: Adriana Sydor

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