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Esperança equilibrista

05 janeiro, 2024
Blog | Brazilianwaves

Por: Adriana Sydor

 

Esperança equilibrista

Dizem por aí que o homem é feito de esperança. Por acreditar é que segue em frente, traça planos, arquiteta ideias, sonha. Pode ser, não sei.
Volto os olhos para os nossos compositores. Eles andam por aí a nos ditar hinos para melhorar as expectativas do viver.
MPB também é esperança!

O primeiro que lembro é Gonzaguinha, aquele que cantou, entre outras no mesmo tema, Vamos à luta, álbum De volta ao começo, de 1980. A música é uma láurea a uma parcela do povo brasileiro, um voto de confiança na força e fé de nossos irmãos que brigam o bom combate todo dia: “Eu acredito é na rapaziada / Que segue em frente e segura o rojão / Eu ponho fé é na fé da moçada / Que não foge da fera, enfrenta o leão / Eu vou à luta com essa juventude / Que não corre da raia a troco de nada / Eu vou no bloco dessa mocidade / Que não tá na saudade e constrói / A manhã desejada”.

Para os que são religiosos ou acompanham o calendário da igreja católica, veio da festa do Divino Espírito Santo, onde folclore e espiritualidade se misturam para os homens de boa vontade, o mote que Ivan Lins e Vitor Martins utilizaram para Bandeira do Divino, composição que fala um pouco de esperança no porvir: “A bandeira acredita que a semente seja tanta / Que essa mesa seja farta, que essa casa seja santa, ai, ai / Que o perdão seja sagrado, que a fé seja infinita / Que o homem seja livre, que a justiça sobreviva, ai, ai”.

Em 1977, chatinho como sempre, talentoso como nunca, Guilherme Arantes lançou Amanhã, quase dez anos depois ganhou voz de Caetano Veloso, que tem aquela mania de transformar algumas pedras em ouro: “Amanhã será um lindo dia, da mais louca alegria / Que se possa imaginar, amanhã redobrada a força / Pra cima que não cessa, há de vingar”.

Não sei se ainda se usa nos finais de ano, mas tenho lembranças de uns encerramentos de ciclos bordados com o elenco da Globo cantando composição de Nelson Motta em parceria com os irmãos Valle, Marcos e Paulo Sérgio. O jingle começou a rolar em 1971 e de saída pegou mal, porque aquela era a época em que artistas conheciam de perto as desgraças da ditadura militar e quando os autores afirmaram uma letra cheia de alegrias, ficou meio chato ou, como se diz por aí, deu ruim. Os compositores passaram longo tempo a justificar como distração o momento da criação. Acredito. De qualquer forma, ela atravessou os anos difíceis e navegou até os momentos de liberdade: “Hoje é um novo dia / De um novo tempo que começou / Nesses novos dias, as alegrias / Serão de todos, é só querer / Todos os nossos sonhos serão verdade / O futuro já começou”.

Também com novo tempo indicado no título, os hoje já citados Ivan Lins e Vitor Martins emplacaram na década de 1980 canção que dava pistas da abertura política e sublinhava momentos que começavam a aparecer: “No novo tempo, apesar dos perigos / Da força mais bruta, da noite que assusta, estamos na luta / Pra sobreviver, pra sobreviver, pra sobreviver / Pra que nossa esperança seja mais que a vingança / Seja sempre um caminho que se deixa de herança / No novo tempo, apesar dos castigos”.

Raul Seixas, Paulo Coelho e Marcelo Motta deram as mãos para também tratar de hino de esperança. A mística Tente outra vez há 41 anos anda por aí levantando coro em bares para dizer que é de batalhas que se vive a vida: “Não diga que a canção está perdida / Tenha fé em Deus, tenha fé na vida / Tente outra vez / Beba / Pois a água viva ainda está na fonte / Você tem dois pés para cruzar a ponte / Nada acabou”.

Era carnaval. Era o Rio de Janeiro. Era 1979. Era a União da Ilha do Governador na avenida. E o autor, o procurador federal Gustavo Adolfo de Carvalho Baeta Neves, enquanto estava a serviço da lei, deixava seus sambas-enredo para que membros da escola os assinassem. Pós-aposentadoria, virou Didi. Ele é o criador da composição que anos depois embalou Simone no show que comemorava seus dez anos de carreira: “O que será o amanhã? / Como vai ser o meu destino? / Já desfolhei o mal- me-quer / Primeiro amor de um menino / E vai chegando o amanhecer / Leio a mensagem zodiacal e o realejo diz / Que eu serei feliz sempre feliz”.

Um número sem fim de músicas falam sobre a esperança e o amor, entrelaçando plano e desejo, vontade e expectativa, promessa e espera, determinação e confiança. São tantas, que precisaríamos de vários números para dar conta. Uma representante da memória para dar voz a todos os nossos letristas que esperançam por um amor, mas sem tom de martírio, porque às vezes acreditar é o melhor negócio: “Ela vem chegando / E feliz vou esperando / A espera é difícil / Mas eu espero sonhando” – Jorge Ben Jor, Zazueira, 1968.

Entre esperanças que dançam de sombrinha em cordas bambas e aquelas que acendem certeiras que a tristeza também as busca, há um Brasil inteirinho cantado nesse traço que parece mesmo ser nosso principal guia. A vida segue e isso, só isso, já é confirmação de acreditar…

 

Por: Adriana Sydor

VAI TRABALHAR, CRIATURA

Dizem por aí que o trabalho dignifica. Alguns esperam por férias, outros gostam tanto de suas obrigações que as transformam em diversão e tem também aqueles que, de fato, vieram ao mundo a passeio. Para cantar situações diferentes, um time de trabalhadores incansáveis da MPB acorda cedo, ou dorme tarde, e se dedica à eterna reportagem de nossas realidades.

Cheio de apontamentos que o cutucavam como não muito chegado ao trabalho pesado, Tim Maia é o primeiro da fila na edição deste mês. Na verdade, as críticas por conta daquele comportamento tão particular, que percorria atrasos e faltas, mas que era também exercício de liberdade, nem sempre eram certas. O grande Sebastião Rodrigues Maia era um criador, um homem de muitas realizações e de batalha dura, na vida e na arte – síndico dos sete mares. Ironicamente começamos com Sossego, música lá da década de 1970, que todo mundo sabe até hoje: “Ora bolas, não me amole / Com esse papo de emprego / Não está vendo? / Não estou nessa, / O que eu quero é sossego / Eu quero sossego”.

Da árvore de Tim nasceram outros galhos. Entre eles, Ed Motta, que mês passado tratou de se indispor com fãs e não-fãs a falar bobagens na internet. Essa é outra história, mas, na de hoje, cabe lembrar de Vamos Dançar, parceria com Rafael Cardoso, que se alimenta no suingue e na temática de Sossego: “Eu não nasci para trabalho/ Eu não nasci para sofrer / Eu percebi que a vida / É muito mais que vencer”.

Mas bem antes dessa plantação, em 1931, Joubert de Carvalho e Olegário Mariano trataram de vingar dois males de uma vez só e numa única atitude: deixaram o trabalho de lado para desforrar a ingrata. O cateretê De papo pro ar tem humor, sabor e vende bem a ideia de um sertanejo em dia com o autocompromisso da felicidade: “Quando no terreiro / Faz noite de luá / E vema saudade / Me atormentá / Eu me vingo dela / Tocando viola / De papo pro á / Se ganho na feira / Feijão, rapadura / Pra que trabaiá / Eu gosto do rancho / O homem não debe / Se amofiná”.

Um tiquinho mais responsáveis, mas andando ali, na beira do precipício, Herivelto Martins e Roberto Roberti escreveram Izaura, música que desfilou pelo carnaval de 1945 e foi para disco de João Gilberto em 1977; o cidadão, responsável e ponderado, sofre aflito entre os deveres do trabalho e as entregas do amor: “O trabalho é um dever / Todos devem respeitar / Oh, Izaura, me desculpe / No domingo eu vou voltar / Seu carinho é muito bom / Ninguém pode contestar / Se você quiser, eu fico / Mas vai me prejudicar / Eu vou trabalhar”.

Outro que teve problemas entre os prazeres da companhia da mulher amada e as obrigações do relógio foi Jorge Ben, que não consentia deixar Bebete saracoteando sozinha no samba enquanto tinha que ir pra casa para o merecido descanso. Bebete Vão bora: “E você sabe muito bem / Que logo mais eu tenho que trabalhar / Já não posso mais chegar atrasado / E nem pensar em faltar / Pois o novo gerente / Não é lá muito meu amigo”.

E os artistas do marketing, aqueles que vendem de tudo ou que emprestam assunto alheio para contar sobre quem anda por aí ganhando o pão e o leitinho das crianças na arte de propagandear seus produtos? Nesse tema, destaco três momentos da MPB: Vendedor de Caranguejo, de Gordurinha: “Caranguejouçá / Caranguejouçá / Apanho ele na lama / E trago no meu caçuá / Tem caranguejo / Tem gordo guaiamum / Cada corda de dez / Eu dou mais um”; Vendedor de Bananas, repetindo Jorge Ben: “Olha a banana / Olha o bananeiro / Eu trago bananas prá vender / Bananas de todas qualidades / Quem vai querer / Olha banana Nanica / Olha banana Maçã / Olha banana Ouro / Olha banana Prata / Olha a banana da Terra / Figo São Tomé / Olha a banana d’Água / Eu sou um menino / Que precisa de dinheiro / Mas prá ganhar de sol a sol / Eu tenho que ser bananeiro” e Menino das Laranjas, de Theo de Barros “É madrugada, vai sentindo frio / Porque se o cesto não voltar vazio / A mãe já arranja um outro para laranja / Esse filho vai ter que apanhar / Compra laranja, doutor, / Ainda dou uma de quebra pro senhor!”. A última, um pouquinho mais forte, porque trata da infância, da realidade dura de quem trabalha ainda no tempo de brincar, mais do que a composição de Ben. Theo de Barros gosta de olhar para a sociedade na qualidade de quem a despe, procura seus pormenores para denunciá-la.

Adoniran Barbosa se dedicou a contar algumas rotinas de trabalhadores simples, força bruta que constrói o Brasil com braço forte. Um desses momentos é Torresmo à Milanesa, simpática e doidinha de realidade, tem parceria com Carlinhos Vergueiro: “O enxadão da obra bateu onze hora / Vamos embora, João! / Que é que você troxe na marmita, Dito? / Troxe ovo frito, troxe ovo frito / E você, Beleza, o que é que você troxe? / Arroz com feijão e um torresmo à milanesa / Da mina Tereza! […] O mestre falou / Que hoje não tem vale não / Ele se esqueceu / Que lá em casa não sou só eu”.

A mãe solteira que trabalha de empacotadeira, o pedreiro pensador que espera que sua sorte mude, os pescadores de Dorival Caymmi, a trabalhadora da fábrica de tecidos, lavadeiras do rio que ensaboam roupas, garçons que aturam malandros, malandros regenerados que sobem em bonde a caminho do trabalho e muitas, muitas outras profissões têm lugar garantido no mundo da música popular brasileira, que é retrato da vida, que narra o cotidiano e que denuncia os detalhes mais rotineiros do país.

E é assim, dignificando a existência ou se distraindo de si ou só, e tão-somente, para pagar as contas, que todo mundo, e cada um, passa os dias – emprego curioso desse meio tempo que temos, entre a vida e a morte.

Bom trabalho e até mês que vem.

Por: Adriana Sydor

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