Esperança equilibrista
Por: Adriana Sydor
Esperança equilibrista
Dizem por aí que o homem é feito de esperança. Por acreditar é que segue em frente, traça planos, arquiteta ideias, sonha. Pode ser, não sei.
Volto os olhos para os nossos compositores. Eles andam por aí a nos ditar hinos para melhorar as expectativas do viver.
MPB também é esperança!
O primeiro que lembro é Gonzaguinha, aquele que cantou, entre outras no mesmo tema, Vamos à luta, álbum De volta ao começo, de 1980. A música é uma láurea a uma parcela do povo brasileiro, um voto de confiança na força e fé de nossos irmãos que brigam o bom combate todo dia: “Eu acredito é na rapaziada / Que segue em frente e segura o rojão / Eu ponho fé é na fé da moçada / Que não foge da fera, enfrenta o leão / Eu vou à luta com essa juventude / Que não corre da raia a troco de nada / Eu vou no bloco dessa mocidade / Que não tá na saudade e constrói / A manhã desejada”.
Para os que são religiosos ou acompanham o calendário da igreja católica, veio da festa do Divino Espírito Santo, onde folclore e espiritualidade se misturam para os homens de boa vontade, o mote que Ivan Lins e Vitor Martins utilizaram para Bandeira do Divino, composição que fala um pouco de esperança no porvir: “A bandeira acredita que a semente seja tanta / Que essa mesa seja farta, que essa casa seja santa, ai, ai / Que o perdão seja sagrado, que a fé seja infinita / Que o homem seja livre, que a justiça sobreviva, ai, ai”.
Em 1977, chatinho como sempre, talentoso como nunca, Guilherme Arantes lançou Amanhã, quase dez anos depois ganhou voz de Caetano Veloso, que tem aquela mania de transformar algumas pedras em ouro: “Amanhã será um lindo dia, da mais louca alegria / Que se possa imaginar, amanhã redobrada a força / Pra cima que não cessa, há de vingar”.
Não sei se ainda se usa nos finais de ano, mas tenho lembranças de uns encerramentos de ciclos bordados com o elenco da Globo cantando composição de Nelson Motta em parceria com os irmãos Valle, Marcos e Paulo Sérgio. O jingle começou a rolar em 1971 e de saída pegou mal, porque aquela era a época em que artistas conheciam de perto as desgraças da ditadura militar e quando os autores afirmaram uma letra cheia de alegrias, ficou meio chato ou, como se diz por aí, deu ruim. Os compositores passaram longo tempo a justificar como distração o momento da criação. Acredito. De qualquer forma, ela atravessou os anos difíceis e navegou até os momentos de liberdade: “Hoje é um novo dia / De um novo tempo que começou / Nesses novos dias, as alegrias / Serão de todos, é só querer / Todos os nossos sonhos serão verdade / O futuro já começou”.
Também com novo tempo indicado no título, os hoje já citados Ivan Lins e Vitor Martins emplacaram na década de 1980 canção que dava pistas da abertura política e sublinhava momentos que começavam a aparecer: “No novo tempo, apesar dos perigos / Da força mais bruta, da noite que assusta, estamos na luta / Pra sobreviver, pra sobreviver, pra sobreviver / Pra que nossa esperança seja mais que a vingança / Seja sempre um caminho que se deixa de herança / No novo tempo, apesar dos castigos”.
Raul Seixas, Paulo Coelho e Marcelo Motta deram as mãos para também tratar de hino de esperança. A mística Tente outra vez há 41 anos anda por aí levantando coro em bares para dizer que é de batalhas que se vive a vida: “Não diga que a canção está perdida / Tenha fé em Deus, tenha fé na vida / Tente outra vez / Beba / Pois a água viva ainda está na fonte / Você tem dois pés para cruzar a ponte / Nada acabou”.
Era carnaval. Era o Rio de Janeiro. Era 1979. Era a União da Ilha do Governador na avenida. E o autor, o procurador federal Gustavo Adolfo de Carvalho Baeta Neves, enquanto estava a serviço da lei, deixava seus sambas-enredo para que membros da escola os assinassem. Pós-aposentadoria, virou Didi. Ele é o criador da composição que anos depois embalou Simone no show que comemorava seus dez anos de carreira: “O que será o amanhã? / Como vai ser o meu destino? / Já desfolhei o mal- me-quer / Primeiro amor de um menino / E vai chegando o amanhecer / Leio a mensagem zodiacal e o realejo diz / Que eu serei feliz sempre feliz”.
Um número sem fim de músicas falam sobre a esperança e o amor, entrelaçando plano e desejo, vontade e expectativa, promessa e espera, determinação e confiança. São tantas, que precisaríamos de vários números para dar conta. Uma representante da memória para dar voz a todos os nossos letristas que esperançam por um amor, mas sem tom de martírio, porque às vezes acreditar é o melhor negócio: “Ela vem chegando / E feliz vou esperando / A espera é difícil / Mas eu espero sonhando” – Jorge Ben Jor, Zazueira, 1968.
Entre esperanças que dançam de sombrinha em cordas bambas e aquelas que acendem certeiras que a tristeza também as busca, há um Brasil inteirinho cantado nesse traço que parece mesmo ser nosso principal guia. A vida segue e isso, só isso, já é confirmação de acreditar…
Por: Adriana Sydor