Festas juninas
A origem dos festejos de junho no Brasil já foi explicada umas cem mil vezes. Todo o tipo de contação de histórias já explorou o tema: teses acadêmicas, literatura histórica, songbooks, livros de culinária…
Historiadores apontam as festividades de meio de ano como coisa trazida pelos portugueses no período colonial. Quando se dedicam a escavar a história por lá, citam influência francesa nas danças marcadas, influência chinesa nos fogos de artifício. E quando continuam a pesquisa, viajam no tempo para mil e poucos anos antes de Cristo e se encontram com celtas, bascos, sumérios, egípcios que se aproveitavam do solstício de verão (marcado como 24 de junho) para festejar a fertilidade da terra e a colheita farta, além de um pedidozinho ou outro por bênção, chuva ou qualquer outra necessidade mundana. Alguns pesquisadores também já contaram que lá na Antiguidade havia o culto à deusa Juno, que acontecia, claro, por essa época do ano. Oferendas, músicas e fogueiras também eram ponto comum.
Sem poder para competir com a milenar festa pagã, a Igreja Católica aproveitou a data de nascimento de São João e passou a promover, dentro de seus preceitos, comemorações formalmente adaptadas ao seu calendário.
No Brasil, os jesuítas trataram de espalhar a cultura católica também em forma de festa. Pois em junho, fogueiras, rezas e comidas se encontraram com festejos indígenas que aconteciam no mesmo período.
E foi naquela época, início dos mil e seiscentos, que a festa começou por aqui. E até hoje está a rolar e se desenvolver e misturar e modificar, em cada região de um jeito, com um tipo de comida, de dança e, claro!, de trilha sonora.
Hoje, apesar das variações da festa, da descaracterização original e da inexplicável confusão de espaços, tempos, estilos, gêneros (o vale-tudo que virou a música popular, onde é possível temáticas que se dizem sertanejas em concertos de rock, coisas chamadas axé-music em festivais de jazz, músicas de igreja em bailes de carnaval e por aí vai), algumas músicas estão completamente inseridas no repertório junino, de Norte a Sul do País.
João de Barro, o Braguinha, em parceria com Alberto Ribeiro, escreveu, para que Emilinha Borba cantasse em 1949, Capelinha de Melão. Pra quem não sabe, não lembra ou não viu, capelinha-de-melão era um tipo de apresentação que reunia teatro, dança e canto na noite de São João. Moças vestidas especialmente para ocasião e com a cabeça enfeitada por uma capelinha de flores de melão-de-são-caetano misturavam trejeitos à dança e à música que invariavelmente acabava com a mesma estrofe: “Capelinha de melão / é de São João / é de cravo, é de rosa / é de manjericão”, e foi esse o ponto de partida para Braguinha tratar definitivamente do tema.
Outro rei das músicas que se misturam ao cancioneiro popular, Lamartine Babo lançou, nas vozes de Carmen Miranda e Mário Reis, em 1934, como marchinha de carnaval, Isto É Lá com Santo Antônio. A música, que narra o divertido caminho de pessoa interessada em matrimônio, que de santo em santo procura o milagreiro para lhe tirar da solteirice, atravessou fevereiro, passou pelos meses seguintes e se instalou em junho e até hoje embala as coreografias juninas. “São João não me atendendo / A São Pedro fui correndo / Nos portões do paraíso / Disse o velho num sorriso: / Minha gente, eu sou chaveiro! / Nunca fui casamenteiro! / São João não me atendendo / A São Pedro fui correndo / Nos portões do paraíso / Matrimônio! Matrimônio! / Isto é lá com Santo Antônio.”
No litoral do Paraná, junho também é mês para tratar de fandango. A cultura caiçara, ao mesmo tempo em que força reafirmação, naturalmente se alimenta dela. Antes, quando era possível plantar e colher na ilha do Superagui, por exemplo, havia todo tipo de composição: para dança, para plantio, para colheita, para transporte… Hoje, tudo virou um grande baile e em junho, como no carnaval, no final do ano, nas festas de padroeira e em toda efeméride que pede música e dança, rabeca, viola e adufe entram em cena. Esse cenário se repete em outras localidades do nosso litoral.
O Nordeste brasileiro tem grande tradição no assunto. Cidades investem grana pesada para promover as festividades de meio de ano e garantir homenagens aos santos católicos. São João, São Pedro e Santo Antônio ganham imensos espetáculos, que reúnem muita gente, gente de palco e de plateia. Campina Grande, na Paraíba, e Caruaru, em Pernambuco, atraem por temporada quase 3 milhões de pessoas para assistir e participar de seus eventos. E por lá, não somente nessas cidades, músicas se tornaram clássicos do assunto e ganharam o País. O que serviu para abrir e diversificar o mercado fonográfico, também ganhou a missão de difundir a cultura nordestina, a vida sertaneja, a maneira de ser e viver de um pedaço do Brasil que não estava na tevê. O movimento fez possível dançar um forró em qualquer lugar do País como se se estivesse na sala de reboco do Mestre Lua. “Todo tempo quanto houver pra mim é pouco / Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco / Enquanto o fole tá tocando, tá gemendo / Vou dançando e vou dizendo meu sofrer pra ela só / E ninguém nota que eu estou lhe conversando / E nosso amor vai aumentando pra coisa mais melhor.” (Numa Sala de Reboco, Luiz Gonzaga e José Marcolino.)
Também é de Luiz Gonzaga outro grande momento junino: Olha pro Céu ultrapassou rapidamente o status de componente do repertório do autor e se estabeleceu nos braços do povo que desde então comemora a época de balões multicoloridos e das fogueiras entoando os versos definitivos. A composição é de 1951 e José Fernandes assina parceria: “Olha pro céu, meu amor / Vê como ele está lindo / Olha praquele balão multicor / Como no céu vai sumindo.”
E em Curitiba? Por aqui, igrejas e escolas, clubes e sindicatos, universidades e empresas gostam de promover festa junina. As comidinhas tradicionais ganham reforço do pinhão, do quentão e de mais uma ou outra particularidade local. É comum nos dias de hoje, depois de um tempo sem se comentar sobre, a evocação de Nhô Belarmino e Nhá Gabriela. O primeiro caipira paranaense a alcançar sucesso que ecoou por outras terras foi o inventado por Salvador Graciano. Um misto de palhaço e figura ingênua, Belarmino espalhou por muitos cantos o clima das festas da metade do ano em outras épocas e estações. O jeito de falar, a temática, as roupas faziam de cada show uma eterna festa junina. E hoje, em muitos lugares, mocinhas e mocinhos da cidade dançam de braços dados os versos de Salvador. “As mocinhas da cidade, são bonita e dançam bem / Dancei uma vez com uma moreninha, já fiquei querendo bem.” (As Mocinhas da Cidade)
Não importa o tamanho da quermesse, não interessa a crença do caipira, a beleza da sinhazinha, a ardência da fogueira, o objetivo da simpatia ou o gosto da receita, no mês de junho todo o território nacional é um grande pátio a servir de endereço para o universo de possibilidades que a festa sugere. Só não convém confundir a expressão “quadrilha” e nem se distrair com a qualidade da música – hoje em dia tem muita gente que diz ser o que não é e que acredita em tudo que ouve e vê.