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O canto cristalino de Cristina El Tarran

08 maio, 2023
Blog | Brazilianwaves

Cantora grava seu primeiro disco e faz homenagem à Flora Purin

O Canto é o Chamado pra Viver. Essa frase, retirada da canção “Rádio Experiência”, de Tunai e Milton Nascimento, não só batiza o disco de estreia da cantora Cristina El Tarran, como também traduz sua personalidade. Com mais de trinta anos de carreira, a artista paranaense, no seu primeiro álbum, faz uma homenagem à Flora Purim e, junto com ela, escolheu as doze músicas que marcaram vários momentos de sua trajetória musical. O resultado é um trabalho emocionante, com um repertório impecável.
Cristina El Tarran revela que o disco aconteceu de maneira surpreendente e teve como catalisador a própria Flora Purim. Ela lembra que estava há quase dez anos protelando para entrar no estúdio e gravar seu primeiro álbum. Um dia consultou a Flora sobre a possibilidade de fazer um show em sua homenagem e recebeu a resposta. “Mas primeiro temos que gravar um disco”. Pronto.
O processo de seleção e gravação levou quase o tempo da pandemia. Primeiro Flora mandou várias músicas para Cristina escolher. Inicialmente o repertório sugerido foi com músicas do começo da carreira e bossa nova. “Mas eu queria cantar outras canções mais elaboradas que ela não tinha incluído. Então fizemos alguns ajustes”, lembra Cris.
No repertório estão músicas de Milton Nascimento, Toninho Horta, José (Pires de Almeida) Neto – parceiro de Flora Purim que veio especialmente dos Estados Unidos para participar do disco – entre outros compositores. “A Flora fez a direção musical do disco e eu canto canções que marcaram seu repertório e influenciaram a minha carreira”, explica. Durante essa conversa, as cantoras descobriram uma afinidade musical bem curiosa: a forma como elas se interessam pela canção acontece primeiro pela melodia, depois pela poesia. Almas gêmeas.
A escolha dos músicos acabou sendo compartilhada com Flora Purim. Se por um lado Cristina El Tarran escalou alguns dos melhores músicos de Curitiba com quem ela se apresenta há muitos anos como Davi Sartori (piano e arranjos), Glauco Solter (baixo), Endrigo Bettega (bateria), Marcio Rosa (percussão), Mário Conde (guitarra); por outro, Flora convidou músicos de fora que estiveram em gravações com ela como José Neto (guitarras), Gary Meek (sax/piano), Filó Machado (violão), Derico Sciotti (sax/flauta), Dan Robins (baixo), Celso Alberti (bateria) e, é claro, seu companheiro de vida, o percussionista Airto Moreira. Um dream team musical.
Disco gravado. Cristina El Tarran explica que a convivência com Flora Purim e Airto Moreira no estúdio trouxe muitas emoções. “Eles estiveram presentes em todo o disco. As músicas registradas há mais de 40 anos traziam lembranças muito vivas e eles sabiam exatamente o que tinha que ser feito em cada instrumentação. Era uma volta ao tempo. Lembranças musicais. Por isso o nome do disco: O Canto é o Chamado pra Viver, pois eu também sinto que a música, em todos os dias e momentos, está comigo. “Cantar é o encontro com a minha alma” finaliza Cris.

VAI TRABALHAR, CRIATURA

Dizem por aí que o trabalho dignifica. Alguns esperam por férias, outros gostam tanto de suas obrigações que as transformam em diversão e tem também aqueles que, de fato, vieram ao mundo a passeio. Para cantar situações diferentes, um time de trabalhadores incansáveis da MPB acorda cedo, ou dorme tarde, e se dedica à eterna reportagem de nossas realidades.

Cheio de apontamentos que o cutucavam como não muito chegado ao trabalho pesado, Tim Maia é o primeiro da fila na edição deste mês. Na verdade, as críticas por conta daquele comportamento tão particular, que percorria atrasos e faltas, mas que era também exercício de liberdade, nem sempre eram certas. O grande Sebastião Rodrigues Maia era um criador, um homem de muitas realizações e de batalha dura, na vida e na arte – síndico dos sete mares. Ironicamente começamos com Sossego, música lá da década de 1970, que todo mundo sabe até hoje: “Ora bolas, não me amole / Com esse papo de emprego / Não está vendo? / Não estou nessa, / O que eu quero é sossego / Eu quero sossego”.

Da árvore de Tim nasceram outros galhos. Entre eles, Ed Motta, que mês passado tratou de se indispor com fãs e não-fãs a falar bobagens na internet. Essa é outra história, mas, na de hoje, cabe lembrar de Vamos Dançar, parceria com Rafael Cardoso, que se alimenta no suingue e na temática de Sossego: “Eu não nasci para trabalho/ Eu não nasci para sofrer / Eu percebi que a vida / É muito mais que vencer”.

Mas bem antes dessa plantação, em 1931, Joubert de Carvalho e Olegário Mariano trataram de vingar dois males de uma vez só e numa única atitude: deixaram o trabalho de lado para desforrar a ingrata. O cateretê De papo pro ar tem humor, sabor e vende bem a ideia de um sertanejo em dia com o autocompromisso da felicidade: “Quando no terreiro / Faz noite de luá / E vema saudade / Me atormentá / Eu me vingo dela / Tocando viola / De papo pro á / Se ganho na feira / Feijão, rapadura / Pra que trabaiá / Eu gosto do rancho / O homem não debe / Se amofiná”.

Um tiquinho mais responsáveis, mas andando ali, na beira do precipício, Herivelto Martins e Roberto Roberti escreveram Izaura, música que desfilou pelo carnaval de 1945 e foi para disco de João Gilberto em 1977; o cidadão, responsável e ponderado, sofre aflito entre os deveres do trabalho e as entregas do amor: “O trabalho é um dever / Todos devem respeitar / Oh, Izaura, me desculpe / No domingo eu vou voltar / Seu carinho é muito bom / Ninguém pode contestar / Se você quiser, eu fico / Mas vai me prejudicar / Eu vou trabalhar”.

Outro que teve problemas entre os prazeres da companhia da mulher amada e as obrigações do relógio foi Jorge Ben, que não consentia deixar Bebete saracoteando sozinha no samba enquanto tinha que ir pra casa para o merecido descanso. Bebete Vão bora: “E você sabe muito bem / Que logo mais eu tenho que trabalhar / Já não posso mais chegar atrasado / E nem pensar em faltar / Pois o novo gerente / Não é lá muito meu amigo”.

E os artistas do marketing, aqueles que vendem de tudo ou que emprestam assunto alheio para contar sobre quem anda por aí ganhando o pão e o leitinho das crianças na arte de propagandear seus produtos? Nesse tema, destaco três momentos da MPB: Vendedor de Caranguejo, de Gordurinha: “Caranguejouçá / Caranguejouçá / Apanho ele na lama / E trago no meu caçuá / Tem caranguejo / Tem gordo guaiamum / Cada corda de dez / Eu dou mais um”; Vendedor de Bananas, repetindo Jorge Ben: “Olha a banana / Olha o bananeiro / Eu trago bananas prá vender / Bananas de todas qualidades / Quem vai querer / Olha banana Nanica / Olha banana Maçã / Olha banana Ouro / Olha banana Prata / Olha a banana da Terra / Figo São Tomé / Olha a banana d’Água / Eu sou um menino / Que precisa de dinheiro / Mas prá ganhar de sol a sol / Eu tenho que ser bananeiro” e Menino das Laranjas, de Theo de Barros “É madrugada, vai sentindo frio / Porque se o cesto não voltar vazio / A mãe já arranja um outro para laranja / Esse filho vai ter que apanhar / Compra laranja, doutor, / Ainda dou uma de quebra pro senhor!”. A última, um pouquinho mais forte, porque trata da infância, da realidade dura de quem trabalha ainda no tempo de brincar, mais do que a composição de Ben. Theo de Barros gosta de olhar para a sociedade na qualidade de quem a despe, procura seus pormenores para denunciá-la.

Adoniran Barbosa se dedicou a contar algumas rotinas de trabalhadores simples, força bruta que constrói o Brasil com braço forte. Um desses momentos é Torresmo à Milanesa, simpática e doidinha de realidade, tem parceria com Carlinhos Vergueiro: “O enxadão da obra bateu onze hora / Vamos embora, João! / Que é que você troxe na marmita, Dito? / Troxe ovo frito, troxe ovo frito / E você, Beleza, o que é que você troxe? / Arroz com feijão e um torresmo à milanesa / Da mina Tereza! […] O mestre falou / Que hoje não tem vale não / Ele se esqueceu / Que lá em casa não sou só eu”.

A mãe solteira que trabalha de empacotadeira, o pedreiro pensador que espera que sua sorte mude, os pescadores de Dorival Caymmi, a trabalhadora da fábrica de tecidos, lavadeiras do rio que ensaboam roupas, garçons que aturam malandros, malandros regenerados que sobem em bonde a caminho do trabalho e muitas, muitas outras profissões têm lugar garantido no mundo da música popular brasileira, que é retrato da vida, que narra o cotidiano e que denuncia os detalhes mais rotineiros do país.

E é assim, dignificando a existência ou se distraindo de si ou só, e tão-somente, para pagar as contas, que todo mundo, e cada um, passa os dias – emprego curioso desse meio tempo que temos, entre a vida e a morte.

Bom trabalho e até mês que vem.

Por: Adriana Sydor

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