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O Choro nosso de cada dia

16 abril, 2024
Blog | Brazilianwaves

O dicionário aponta o significado de mistura como resultado de muitas coisas postas em conjunto. Se formos investigar na disciplina da química é a associação de muitos elementos, que se tornam indistintos sem formar uma combinação. 

Na música, mistura pode ser Choro, Chorinho, o ritmo mais brasileiro de todos, mais cheio de sol e feijoada, de rodas e conversas, de influências e originalidade. Quando digo o mais brasileiro de todos, não desmereço nenhuma outra expressão, me refiro apenas à sua extensão territorial e a este tapete sonoro que é capaz de cobrir, com alguma característica unânime, o nosso chão nacional de leste a oeste, de norte a sul – mais que o samba, eu acho, porque as possibilidades do samba acabam por proporcionar que em cada lugar ele seja de um jeito bem diferente.  

 Música europeia de salão, música popular portuguesa e música popular africana são os elementos que mais se destacam na mistura que originou o Choro que, como gênero, só tomou forma na primeira década do século 20, mas sua história começou antes, bem antes.  

 Citar chorões, apontar suas diferenças, caminhar pelos diversos ambientes, entre os quintais e a academia, em que o gênero se multiplica e tratar do assunto mirando numa responsabilidade de informar de maneira completa foi uma fantasia abandonada na primeira frase deste texto. Prefiro citar Ary Vasconcelos: “Se você tem 15 volumes para falar de toda a música popular brasileira, fique certo de que é pouco. Mas se dispõe apenas do espaço de uma palavra, nem tudo está perdido; escreva depressa: Pixinguinha”. 

 É a data que comemora o nascimento de Pixinguinha, 23 de abril, a que se transformou em Dia Nacional do Choro, porque talvez seja ele o nosso chorão mais amado, mais elegante, mais reconhecível, mais pop, mais inesquecível.  

Mas se dá para, mesmo que de um jeito meio desengonçado que acaba por incentivar injustiças e ao mesmo tempo o contrário disso, dizer que Pixinguinha é o pai do Choro, o gênero precisa de uma mãe. E o nome dela é Chiquinha Gonzaga, a primeira chorona, mas a primeira pianista do gênero.  

 De Pixinguinha e Chiquinha nasceram todos os chorões, incluindo aqueles que vieram antes. E todos se espalharam por rodas, bares, salas de concerto, discos, rádios, universidades, palcos no mundo inteiro. E todos tiveram muitos filhos. E todos multiplicaram notas e acordes. E todos inventaram, improvisaram, repetiram. E todos são donos, por herança e construção, do que desde 2024 figura como Patrimônio Cultural do Brasil, uma legenda bonita, tardia e redundante do que todos já sabiam.  

 Como Patrimônio Cultural, o conjunto formado por bandolim, flauta, violão 7 Cordas, pandeiro, cavaquinho e clarinete é o reconhecido e aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Como realidade, numa roda de Choro sempre cabe mais um.  

 

Por: Adriana Sydor

VAI TRABALHAR, CRIATURA

Dizem por aí que o trabalho dignifica. Alguns esperam por férias, outros gostam tanto de suas obrigações que as transformam em diversão e tem também aqueles que, de fato, vieram ao mundo a passeio. Para cantar situações diferentes, um time de trabalhadores incansáveis da MPB acorda cedo, ou dorme tarde, e se dedica à eterna reportagem de nossas realidades.

Cheio de apontamentos que o cutucavam como não muito chegado ao trabalho pesado, Tim Maia é o primeiro da fila na edição deste mês. Na verdade, as críticas por conta daquele comportamento tão particular, que percorria atrasos e faltas, mas que era também exercício de liberdade, nem sempre eram certas. O grande Sebastião Rodrigues Maia era um criador, um homem de muitas realizações e de batalha dura, na vida e na arte – síndico dos sete mares. Ironicamente começamos com Sossego, música lá da década de 1970, que todo mundo sabe até hoje: “Ora bolas, não me amole / Com esse papo de emprego / Não está vendo? / Não estou nessa, / O que eu quero é sossego / Eu quero sossego”.

Da árvore de Tim nasceram outros galhos. Entre eles, Ed Motta, que mês passado tratou de se indispor com fãs e não-fãs a falar bobagens na internet. Essa é outra história, mas, na de hoje, cabe lembrar de Vamos Dançar, parceria com Rafael Cardoso, que se alimenta no suingue e na temática de Sossego: “Eu não nasci para trabalho/ Eu não nasci para sofrer / Eu percebi que a vida / É muito mais que vencer”.

Mas bem antes dessa plantação, em 1931, Joubert de Carvalho e Olegário Mariano trataram de vingar dois males de uma vez só e numa única atitude: deixaram o trabalho de lado para desforrar a ingrata. O cateretê De papo pro ar tem humor, sabor e vende bem a ideia de um sertanejo em dia com o autocompromisso da felicidade: “Quando no terreiro / Faz noite de luá / E vema saudade / Me atormentá / Eu me vingo dela / Tocando viola / De papo pro á / Se ganho na feira / Feijão, rapadura / Pra que trabaiá / Eu gosto do rancho / O homem não debe / Se amofiná”.

Um tiquinho mais responsáveis, mas andando ali, na beira do precipício, Herivelto Martins e Roberto Roberti escreveram Izaura, música que desfilou pelo carnaval de 1945 e foi para disco de João Gilberto em 1977; o cidadão, responsável e ponderado, sofre aflito entre os deveres do trabalho e as entregas do amor: “O trabalho é um dever / Todos devem respeitar / Oh, Izaura, me desculpe / No domingo eu vou voltar / Seu carinho é muito bom / Ninguém pode contestar / Se você quiser, eu fico / Mas vai me prejudicar / Eu vou trabalhar”.

Outro que teve problemas entre os prazeres da companhia da mulher amada e as obrigações do relógio foi Jorge Ben, que não consentia deixar Bebete saracoteando sozinha no samba enquanto tinha que ir pra casa para o merecido descanso. Bebete Vão bora: “E você sabe muito bem / Que logo mais eu tenho que trabalhar / Já não posso mais chegar atrasado / E nem pensar em faltar / Pois o novo gerente / Não é lá muito meu amigo”.

E os artistas do marketing, aqueles que vendem de tudo ou que emprestam assunto alheio para contar sobre quem anda por aí ganhando o pão e o leitinho das crianças na arte de propagandear seus produtos? Nesse tema, destaco três momentos da MPB: Vendedor de Caranguejo, de Gordurinha: “Caranguejouçá / Caranguejouçá / Apanho ele na lama / E trago no meu caçuá / Tem caranguejo / Tem gordo guaiamum / Cada corda de dez / Eu dou mais um”; Vendedor de Bananas, repetindo Jorge Ben: “Olha a banana / Olha o bananeiro / Eu trago bananas prá vender / Bananas de todas qualidades / Quem vai querer / Olha banana Nanica / Olha banana Maçã / Olha banana Ouro / Olha banana Prata / Olha a banana da Terra / Figo São Tomé / Olha a banana d’Água / Eu sou um menino / Que precisa de dinheiro / Mas prá ganhar de sol a sol / Eu tenho que ser bananeiro” e Menino das Laranjas, de Theo de Barros “É madrugada, vai sentindo frio / Porque se o cesto não voltar vazio / A mãe já arranja um outro para laranja / Esse filho vai ter que apanhar / Compra laranja, doutor, / Ainda dou uma de quebra pro senhor!”. A última, um pouquinho mais forte, porque trata da infância, da realidade dura de quem trabalha ainda no tempo de brincar, mais do que a composição de Ben. Theo de Barros gosta de olhar para a sociedade na qualidade de quem a despe, procura seus pormenores para denunciá-la.

Adoniran Barbosa se dedicou a contar algumas rotinas de trabalhadores simples, força bruta que constrói o Brasil com braço forte. Um desses momentos é Torresmo à Milanesa, simpática e doidinha de realidade, tem parceria com Carlinhos Vergueiro: “O enxadão da obra bateu onze hora / Vamos embora, João! / Que é que você troxe na marmita, Dito? / Troxe ovo frito, troxe ovo frito / E você, Beleza, o que é que você troxe? / Arroz com feijão e um torresmo à milanesa / Da mina Tereza! […] O mestre falou / Que hoje não tem vale não / Ele se esqueceu / Que lá em casa não sou só eu”.

A mãe solteira que trabalha de empacotadeira, o pedreiro pensador que espera que sua sorte mude, os pescadores de Dorival Caymmi, a trabalhadora da fábrica de tecidos, lavadeiras do rio que ensaboam roupas, garçons que aturam malandros, malandros regenerados que sobem em bonde a caminho do trabalho e muitas, muitas outras profissões têm lugar garantido no mundo da música popular brasileira, que é retrato da vida, que narra o cotidiano e que denuncia os detalhes mais rotineiros do país.

E é assim, dignificando a existência ou se distraindo de si ou só, e tão-somente, para pagar as contas, que todo mundo, e cada um, passa os dias – emprego curioso desse meio tempo que temos, entre a vida e a morte.

Bom trabalho e até mês que vem.

Por: Adriana Sydor

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